quarta-feira, 14 de setembro de 2011

VIVENDO CATOLICAMENTE: PENSANDO NOS SANTOS DAS MATAS


Este trabalho pretende ser uma leitura da função da cultura religiosa africana na formação do catolicismo popular brasileiro; neste sentido, vamos perceber que historicamente no Brasil escravista, teremos dois lugares onde o negro teve acesso à sociedade: o terreiro da casa grande e a senzala, lugares estes de onde influenciou e foi influenciado pelas culturas portuguesa e indígena.

Na senzala a situação era de não-gente, peça de produção. O negro não era Dodô de si, mas posse do seu senhor ou senhora.

Já no terreiro, percebemos a instalação de um novo modo de ser, conservação da cultura, fé, identidade, dos costumes estruturantes da vida, foi o lugar onde o negro se fez e sentiu-se gente. No terreiro refundava-se em terras brasileiras sua história, vida e costumes.

Com o ajuntamento de escravos de diferentes nações africanas numa mesma fazenda, o que impedia sua comunicação e possibilidades de insurreição, pois falavam de início línguas diferentes, o terreiro se sobressai como o lugar de sobrevivência das características de cada um em particular. Formava-se o povo da diáspora africana no Brasil.

Ainda hoje para descobris como ficou preservada a cultura afro no Brasil é só observar a estrutura e organização de uma cerimônia. No terreiro não é mais o pedreiro, a lavadeira, a empregada doméstica, o metalúrgico, não que estas profissões não tenham valor, muito pelo contrario são molas propulsoras no processo de produção, mas desvalorizadas numa sociedade que se preza por atitudes e estilos de trabalhos diferentes do braçal. Na cerimônia dentro do terreiro ao contrario, é um filho de Xangó, de ogum, de Oxalá, etc. é uma filha de Iansã, de Iemonjá, de Oxum, é a realeza africana resistindo à situação de opressão do povo negro. Quando se dá o transe “descida do Santo”, aí é que a beleza está na sua máxima expressão, é momento do encontro do filho com seu “santo” ancestral original, que agora vem se comunicar com ele, trazendo a bênção de Olorum: a paz, a harmonia, e a concordância, a cura de doenças, a resolução de problemas e etc.

Essa riqueza de detalhes percebidos na relação com os orixás ficou conservada dentro da cultura religiosa que se originou no encontro das culturas afro-indigenas e portuguesas no Brasil. Por exemplo, observando a celebração num terreiro, por momentos tem se a impressão de diversas linguagens culturais convivendo de formas harmoniosas, é como que uma reinstalação dos mitos numa nova configuração, mais precisamente, no culto que se presta aos orixás de forma conjunta, aspectos não típicos na sua origem. Olhando por este lado, uma pergunta fica no ar: Como esta realidade cultural foi decodificada e vivida num ambiente cultural diferente que é o cristianismo?

Em que lugares da cultura católica no país colonizado houve oportunidade, acolhida de forma que os descendentes de escravos não se sentissem totalmente abandonados, sem espaço de culto ou religião, e que então, fizesse uma revolução mais violenta contra a situação e voltasse a suas raízes primeiras.

Estas questões se colocam porque, ao tratar do escravo africano, não estamos falando de uma situação de passividade, pois é um povo guerreiro e religioso que não se contenta em estar onde está, se não encontra ali o se pedaço de chão, onde possa bater os pés, cantar e dançar, chamando seus “santos” para o protegerem. Como o africano se tornou católico no Brasil?

Abre-se esta pergunta a necessidade de um aprofundamento da formação cristã, (católica), na colônia, como também um estudo da conservação de elementos culturais afros que “beiram ao exagero”. Como dançar dentro da Igreja, pular, levantar os braços. A população de origem negra conserva e transmite os costumes da religião que privilegia, sobretudo o corpo, porque de tão sagrado que é, ao ser devidamente preparado torna-se por excelência o lugar onde o Orixá irá se manifestar. O corpo é o altar e os “santos” até brigam.

Como então ver isso acontecendo numa Igreja marcada pela negação do corpo enquanto dimensão de prazer?

É na cultura católica popular que vamos perceber mais nitidamente este diálogo, que se dá na ordem de um viver católico tendo por base o pensamento e sentimentos voltados Às matas, cachoeiras, tempestades, ao movimento criador, à festas, à vida. Viver o Axé. Perceber “Deus na Roda com a gente”.

Fr. Vanderlei Santos de Souza, CSsR.

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